Depois de emitir um parecer favorável à nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em novo parecer, recomendou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da nomeação do ex-presidente por, segundo ele, ter “indícios” de desvio de finalidade da presidenta Dilma Rousseff para tentar impedir as investigações da Operação Lava Jato.
Por Dayane Santos
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recomendou ao STF a anulação da nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil
Juristas ouvidos pelo Portal Vermelho apontam a fragilidade dos argumentos apresentados pelo procurador, questionam os motivos para a mudança de posição em apenas nove dias. O novo parecer foi enviado ao STF para instruir duas ações sob relatoria do ministro Gilmar Mendes – notoriamente conhecido por seu posicionamento político contra o PT – que, no último dia 18 de março, suspendeu a nomeação de Lula. A decisão definitiva será do plenário da Corte, formado por 11 ministros, prevista para o próximo dia 20 de abril.
Segundo Janot, os “fatos incontroversos retratados no acervo probatório pré-constituído e fatos de domínio público envolvendo a nomeação são suficientes para caracterizar desvio de finalidade”, disse ele. Os fatos “incontroversos” do parecer foram baseados nos grampos do juiz Sérgio Moro, inclusive o ilegal feito contra a presidenta Dilma Rousseff. Já os “fatos de domínio público” são os factoides e ilações da grande mídia. Janot disse que mudou de posição depois de fazer um exame dos “elementos mais amplos” das investigações.
Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre em Direito de Estado, disse que no crime de desvio de finalidade, não é intenção subjetiva do agente que está em questão, mas se ele, de modo objetivo afronta, no exercício da competência, a disposição legal.
“Ora, qual é a questão legal que afronta a presidente Dilma ao nomear alguém que pode ser nomeado para o cargo de ministro? Ainda que ela pensasse nisso [impedir a investigação], a intenção é irrelevante para ordem jurídica”, enfatizou Tarcísio.
De fato, as dezenas de interceptações feitas pelo juiz Sérgio Moro, no âmbito da Lava Jato – que foram utilizadas por Janot para fundamentar o seu parecer – evidenciam que a preocupação de Lula não era fugir das investigações. Em várias conversas, Lula refuta ideia de que viraria ministro para escapar do julgamento do juiz Moro: “Jamais irei para o governo para me proteger”, disse ele numa conversa com o governador do Piauí Wellington Dias (PT).
O diálogo do grampo de Moro utilizado e apontado por Janot como prova foi a conversa de Lula com Roberto Carlos. Veja:
Mais adiante o ex-presidente reforça a sua preocupação com as arbitrariedades de Moro:
Para o professor Tarcísio, os diálogos dos grampos comprovam que por diversas vezes Lula recusa a ideia de ir para o ministério, derrubando a tese subjetiva de Janot de que a nomeação era fuga. “Na verdade, ida de Lula para o ministério era, para a maior parte de seus interlocutores, uma necessidade de articulação política”, destaca.
De acordo com o professor, ao agir seletivamente na avaliação dos áudios, ignorando o conteúdo das conversas e selecionando frases soltas, Janot coloca o seu parecer sob suspeita.
“Diante disso, a pergunta que fica é: quais as verdadeiras causas da mudança de posição do procurador-geral da República? O que há por traz da mudança? O procurador muda de ideia em menos de dez dias? Ninguém acha estranho?”, indaga.
Dallari
Para Dalmo Dallari, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), o argumento de que a nomeação do ex-presidente Lula seria uma tentativa de impedir as investigações é “leviana”.
“Acho que é leviana e infundada essa alegação por uma razão muito simples: mesmo ministro, ele [Lula] poderá e continuará a ser processado. A única coisa que muda é a competência. Ao invés de ser um juiz de primeira instância será um tribunal superior”, salientou o jurista.
Dalmo afirmou que tal alegação de fuga das investigações “é absolutamente falsa”. “A nomeação dele para o ministério não impede que ele seja processado e, eventualmente punido”, completou.
Dilma
O procurador também citou em seu parecer o episódio em que a Presidência da República enviou a Lula o termo de posse para ser utilizado caso ele não pudesse comparecer à cerimônia. Segundo Janot, “a atitude é inegavelmente inusual e reforça o conjunto de indícios de desvio de finalidade”.
“O exame da argumentação do Janot deixa muito evidente que ele se afastou completamente da fundamentação jurídica. Ele não apontou uma ilegalidade e quando menciona o fato da presidenta ter enviado a minuta de posse ele apenas diz que é anormal, mas não diz que é ilegal porque realmente isso não configura uma ilegalidade”, apontou Dallari, reforçando que tal fato não justifica uma ação contra a presidenta Dilma.
Segundo o professor da USP, o ato de nomeação de Lula “é, antes de tudo, é um direito da presidenta expressamente estabelecido na Constituição”.
“Ela tem a livre escolha e, obviamente, deverá escolher entre os cidadãos brasileiros que atendam aos requisitos essenciais para a ocupação de um cargo público relevante. E um dado essencial sobre o ex-presidente Lula é um cidadão brasileiro na plenitude do gozo de seus direitos políticos e civis. De maneira que, assim como ela tem o direito de nomear, ele tem o direito de ser nomeado. Ele preenche os requisitos constitucionais para a nomeação e o fato de ser escolhido tem um significado político, que além de não configurar qualquer ilegalidade, é absolutamente normal do ponto de vista da democracia”, disse.
Crise política
Dallari ressalta ainda que o procurador não se ateve ao fato de que, diante de uma profunda crise política, que ameaça o seu mandato – portanto, trata-se de uma anormalidade que coloca em risco o seu governo e os rumos do país –, a presença de Lula em seu governo ajudaria no enfrentamento da crise política e rearticulação da base aliada.
“A presidenta quer ter no seu ministério alguém que a ajude a governar e que com o seu prestígio e sua influência possa ajudar na realização de um bom governo. E não há a mínima dúvida que o ex-presidente Lula foi um excelente presidente que fez o Brasil avançar muito em termos de ser uma sociedade efetivamente democrática. Não há dúvida que isso lhe deu prestígio político, o que ajudará o governo a atingir os seus objetivos. Então isso também deveria ter sido levado em conta”, pontua.
Vale lembrar que a presidenta Dilma foi eleita por dois mandatos justamente por conta do prestígio político de Lula, conquistados por sua trajetória de vida em defesa dos trabalhadores e duas gestões que promoveram a geração de emprego, renda e avanços sociais, deixando a Presidência da República como o mais bem avaliado da história.
E conclui: “Quem não concorda [com a nomeação de Lula], o máximo que pode fazer é manifestar a opinião. Sem dúvida haverá muitas opiniões favoráveis e muitas contrárias. Aliás, entre as opiniões contrárias estão os inconformados com a derrota quando disputaram a Presidência da República. Na verdade, até agora não se conformaram e em lugar de fazer boas propostas e se prepararem para disputa da Presidência nas próximas eleições, querem utilizar um caminho inconstitucional. Não há nenhuma ilegalidade, nenhum fundamento para o impeachment da presidenta Dilma. E a escolha do ex-presidente Lula para o seu ministério não é nada antijurídico. É uma decisão política perfeitamente normal num sistema democrático”.
Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre em Direito de Estado, disse que no crime de desvio de finalidade, não é intenção subjetiva do agente que está em questão, mas se ele, de modo objetivo afronta, no exercício da competência, a disposição legal.
“Ora, qual é a questão legal que afronta a presidente Dilma ao nomear alguém que pode ser nomeado para o cargo de ministro? Ainda que ela pensasse nisso [impedir a investigação], a intenção é irrelevante para ordem jurídica”, enfatizou Tarcísio.
De fato, as dezenas de interceptações feitas pelo juiz Sérgio Moro, no âmbito da Lava Jato – que foram utilizadas por Janot para fundamentar o seu parecer – evidenciam que a preocupação de Lula não era fugir das investigações. Em várias conversas, Lula refuta ideia de que viraria ministro para escapar do julgamento do juiz Moro: “Jamais irei para o governo para me proteger”, disse ele numa conversa com o governador do Piauí Wellington Dias (PT).
O diálogo do grampo de Moro utilizado e apontado por Janot como prova foi a conversa de Lula com Roberto Carlos. Veja:
ROBERTO CARLOS: Eles te condenaram efetivamente, tá?! Não tem defesa jurídica que salve, tá?! eu tô falando assim...
LILS: "uhumm"
ROBERTO CARLOS: eu tô falando é com alarmismo mesmo, tá?
LILS: " uhumm"
ROBERTO CARLOS: É uma decisão individual daquele cara lá de Curitiba. Ele pega e toma a decisão, tá tomada, acabou!
LILS: "uhumm"
ROBERTO CARLOS: No meu entender, ele faz um balão de ensaio na sexta-feira. Como é que seria se ele tomasse essa decisão? Tá, “ele” fez um“ testezinho”, “vamo” quebrar o gelo e ver como é que seria, tá?! Eu acho, tá, tem uma coisa que tá na mão de vocês, é MINISTÉRIO, acabou, porra!
LILS: "uhumm"
ROBERTO CARLOS: Sabe, eu acho que a vacilação da parte de vocês, tô falando genericamente, de um modo geral, é uma guerra política, é uma disputa política, o cara lá é juiz, mas é um tucano, formação OPUS DEI e o cacete à quatro, entendeu? Ele tá ali, depende da cabeça dele, só na cabeça dele, entendeu? Vai que esse cara é maluco e ousado suficiente pra tomar uma decisão nessa direção?! Você uma coisa na tua mão hoje! Usa caralho!
LILS: "uhumm"
LILS: "uhumm"
ROBERTO CARLOS: eu tô falando é com alarmismo mesmo, tá?
LILS: " uhumm"
ROBERTO CARLOS: É uma decisão individual daquele cara lá de Curitiba. Ele pega e toma a decisão, tá tomada, acabou!
LILS: "uhumm"
ROBERTO CARLOS: No meu entender, ele faz um balão de ensaio na sexta-feira. Como é que seria se ele tomasse essa decisão? Tá, “ele” fez um“ testezinho”, “vamo” quebrar o gelo e ver como é que seria, tá?! Eu acho, tá, tem uma coisa que tá na mão de vocês, é MINISTÉRIO, acabou, porra!
LILS: "uhumm"
ROBERTO CARLOS: Sabe, eu acho que a vacilação da parte de vocês, tô falando genericamente, de um modo geral, é uma guerra política, é uma disputa política, o cara lá é juiz, mas é um tucano, formação OPUS DEI e o cacete à quatro, entendeu? Ele tá ali, depende da cabeça dele, só na cabeça dele, entendeu? Vai que esse cara é maluco e ousado suficiente pra tomar uma decisão nessa direção?! Você uma coisa na tua mão hoje! Usa caralho!
LILS: "uhumm"
Em seguida, Lula afirma:
LILS: Não, não tô esperando nenhum arranjo não. Pra mim é muito difícil essa hipótese. Na verdade, ELA JÁ OFERECEU, sabe?! Mas eu vou ter uma conversa hoje, que, depois eu te ligo.
ROBERTO CARLOS: Porra, não tem... olha só, o articulador é você. Você tentou lá o PMDB, você tem total credibilidade na frente do PMDB, você tem total credibilidade na frente do PT, total credibilidade na frente de todos os partidos. Acabou, sentou lá, tá resolvido o problema de credibilidade. Tá resolvido. Botou nosso amigo lá na Fazenda, tá resolvido a economia, a expectativa pura! Expectativa pura! Eu tô fora aqui, eu tô vendo o que é isso.
ROBERTO CARLOS: Porra, não tem... olha só, o articulador é você. Você tentou lá o PMDB, você tem total credibilidade na frente do PMDB, você tem total credibilidade na frente do PT, total credibilidade na frente de todos os partidos. Acabou, sentou lá, tá resolvido o problema de credibilidade. Tá resolvido. Botou nosso amigo lá na Fazenda, tá resolvido a economia, a expectativa pura! Expectativa pura! Eu tô fora aqui, eu tô vendo o que é isso.
Mais adiante o ex-presidente reforça a sua preocupação com as arbitrariedades de Moro:
LILS: Então, deixa eu te falar uma coisa, eu até, até acho que ele deve fazer pra ver o que acontece...Porque veja, eu quero, eu tô vivendo uma situação de anormalidade, ou seja, esses caras podem investigar minha conta na casa do caralho, que não vão encontrar um centavo. Esses caras sabem que eu não tenho apartamento, esses caras sabem que eu não tenho a chácara, esses caras sabem que não só eu fiz muita palestra, como eu fui o mais bem pago conferencista do começo século 21. Só eu e o Clinton...Eu não sei se o Stiglitz depois, sabe? Agora se o cidadão começa a levantar suspeita de tudo isso, eu quero ver como é que eles vão provar que eu tenho uma chácara, como é eles vão provar que eu tenho um apartamento. Porque alguém vai ter que pagar“ pra mim ter”. Porque eu não posso ter, sem pagar...
Para o professor Tarcísio, os diálogos dos grampos comprovam que por diversas vezes Lula recusa a ideia de ir para o ministério, derrubando a tese subjetiva de Janot de que a nomeação era fuga. “Na verdade, ida de Lula para o ministério era, para a maior parte de seus interlocutores, uma necessidade de articulação política”, destaca.
De acordo com o professor, ao agir seletivamente na avaliação dos áudios, ignorando o conteúdo das conversas e selecionando frases soltas, Janot coloca o seu parecer sob suspeita.
“Diante disso, a pergunta que fica é: quais as verdadeiras causas da mudança de posição do procurador-geral da República? O que há por traz da mudança? O procurador muda de ideia em menos de dez dias? Ninguém acha estranho?”, indaga.
Dallari
Para Dalmo Dallari, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), o argumento de que a nomeação do ex-presidente Lula seria uma tentativa de impedir as investigações é “leviana”.
“Acho que é leviana e infundada essa alegação por uma razão muito simples: mesmo ministro, ele [Lula] poderá e continuará a ser processado. A única coisa que muda é a competência. Ao invés de ser um juiz de primeira instância será um tribunal superior”, salientou o jurista.
Dalmo afirmou que tal alegação de fuga das investigações “é absolutamente falsa”. “A nomeação dele para o ministério não impede que ele seja processado e, eventualmente punido”, completou.
Dilma
O procurador também citou em seu parecer o episódio em que a Presidência da República enviou a Lula o termo de posse para ser utilizado caso ele não pudesse comparecer à cerimônia. Segundo Janot, “a atitude é inegavelmente inusual e reforça o conjunto de indícios de desvio de finalidade”.
“O exame da argumentação do Janot deixa muito evidente que ele se afastou completamente da fundamentação jurídica. Ele não apontou uma ilegalidade e quando menciona o fato da presidenta ter enviado a minuta de posse ele apenas diz que é anormal, mas não diz que é ilegal porque realmente isso não configura uma ilegalidade”, apontou Dallari, reforçando que tal fato não justifica uma ação contra a presidenta Dilma.
Segundo o professor da USP, o ato de nomeação de Lula “é, antes de tudo, é um direito da presidenta expressamente estabelecido na Constituição”.
“Ela tem a livre escolha e, obviamente, deverá escolher entre os cidadãos brasileiros que atendam aos requisitos essenciais para a ocupação de um cargo público relevante. E um dado essencial sobre o ex-presidente Lula é um cidadão brasileiro na plenitude do gozo de seus direitos políticos e civis. De maneira que, assim como ela tem o direito de nomear, ele tem o direito de ser nomeado. Ele preenche os requisitos constitucionais para a nomeação e o fato de ser escolhido tem um significado político, que além de não configurar qualquer ilegalidade, é absolutamente normal do ponto de vista da democracia”, disse.
Crise política
Dallari ressalta ainda que o procurador não se ateve ao fato de que, diante de uma profunda crise política, que ameaça o seu mandato – portanto, trata-se de uma anormalidade que coloca em risco o seu governo e os rumos do país –, a presença de Lula em seu governo ajudaria no enfrentamento da crise política e rearticulação da base aliada.
“A presidenta quer ter no seu ministério alguém que a ajude a governar e que com o seu prestígio e sua influência possa ajudar na realização de um bom governo. E não há a mínima dúvida que o ex-presidente Lula foi um excelente presidente que fez o Brasil avançar muito em termos de ser uma sociedade efetivamente democrática. Não há dúvida que isso lhe deu prestígio político, o que ajudará o governo a atingir os seus objetivos. Então isso também deveria ter sido levado em conta”, pontua.
Vale lembrar que a presidenta Dilma foi eleita por dois mandatos justamente por conta do prestígio político de Lula, conquistados por sua trajetória de vida em defesa dos trabalhadores e duas gestões que promoveram a geração de emprego, renda e avanços sociais, deixando a Presidência da República como o mais bem avaliado da história.
E conclui: “Quem não concorda [com a nomeação de Lula], o máximo que pode fazer é manifestar a opinião. Sem dúvida haverá muitas opiniões favoráveis e muitas contrárias. Aliás, entre as opiniões contrárias estão os inconformados com a derrota quando disputaram a Presidência da República. Na verdade, até agora não se conformaram e em lugar de fazer boas propostas e se prepararem para disputa da Presidência nas próximas eleições, querem utilizar um caminho inconstitucional. Não há nenhuma ilegalidade, nenhum fundamento para o impeachment da presidenta Dilma. E a escolha do ex-presidente Lula para o seu ministério não é nada antijurídico. É uma decisão política perfeitamente normal num sistema democrático”.
Do Portal Vermelho
http://www.vermelho.org.br/noticia/278974-1
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