Agora eu vou falar do Lula que eu conheço.
por Sheila Oliveira, especial para o Viomundo
A gente sempre se esbarrou por aí.
Eu era estudante quando aquele barbudo juntou uma turma e fundou o Partido dos Trabalhadores. Um bando de peão, gente de esquerda, igrejeiro… tudo se metendo em política, “na disputa institucional do poder”, coisa que eu nem sabia direito o que era porque nasci na ditadura.
A elite, que eu ainda nem notava que era tão branca, desdenhou. Ignorou. Quando tinha uma greve forte, um movimento mais geral, o exército logo aparecia. Prendia. Chamava de marginal. Inventava um monte de coisa.
Foi quando esse cara também ajudou a tirar os sindicatos do oficialismo de Estado e fundar a CUT (Central Única dos Trabalhadores). A maior da América Latina.
Logo depois a gente estava nas ruas para que tivessem ELEIÇÕES. Isso mesmo!
Ninguém aqui escolhia presidente (variação de gênero nem pensar). E adivinha: milhões nas ruas e nas TVs nem sequer uma nota ou imagem.
E aquela voz rouca, de sotaque igual ao meu, me falava como a voz das ruas.
Entusiasmou gerações para a luta social. Pelo direito à liberdade, à democracia.
Demorou! As “DIRETAS” não foram aprovadas.
Esse Lula e seus companheiros do PT denunciaram a manobra e não participaram do “Colégio Eleitoral”. Dos milhões, ficamos bem pouquinhos os que diziam: Esta Nova República é a velha burguesia.
No Congresso, os “300 picaretas com anel de doutor” traçaram a Nova Constituição. Foi uma luta… avançou umas coisas. Mas, no fundamental, defendia a propriedade privada, atrelava o Estado à religião, restringia o Direito de organização e um monte de liberdades individuais… E a gente continuava minoria da minoria quando não assinou a Carta.
Já tinha um bocado de cidade experimentando o jeito de governar que esse cara defendia. O mundo começou a ver que no Brasil estava rolando uma alternativa. Era possível trabalhar direitos sociais com participação e começar a mudar os lugares e a vida das pessoas.
Finalmente veio a eleição para presidente. Desta vez a TV não ignorou. Bateu. Mentiu. Armou. Tiraram a eleição do peão como quem tira o brinquedo de uma criança. Um golpe de debate editado na TV. Com ameaças, calúnias, jogo sujo.
Foi então que ele resolveu fazer o caminho do pau de arara de volta.
Andou cidade a cidade deste país. Juntou o povo sofrido. Registrou dor e fome.
Lembrou das coisas que já tinha passado.
Pegou uma semente “olho de boi” que tirou da panela de uma família (em Mirandiba) como única refeição do dia e guardou na valise. Andava com aquilo para nunca esquecer que existia a fome.
Quando a seca apertou, começaram os saques no Sertão. Inconformado com a barbárie, pediu pra gente ajudar, juntar Igreja, Sindicato, Movimento Social e Organizar essa luta. Não era possível gente morrendo, saqueando, sendo preso, virando bandido porque tem fome.
E jogou pesado com a gente que estava embrenhado nas disputas internas do PT. O Partido era para ajudar na luta do povo. Se fosse para fazer igual aos outros não precisava ser PT. E olha que o bicho se metia! Queria porque queria impor alianças com cada “peça” por aqui.
Assim fomos. Perdemos, perdemos, perdemos… E aprendemos que às vezes se ganha perdendo e também se perde ganhando. Unir aliados para eleger e governar é importante, mas ficar refém da “governabilidade da base aliada” é um perigo. Principalmente para quem está só no Executivo no meio de vários outros espaços de poder da burguesia. A correlação de forças só muda com a luta social, com o povo organizado e mobilizado.
Um dia acho na minha bagunça o primeiro autógrafo do Primeiro Presidente Operário do Brasil. A memorável posse no Congresso e no Palácio jogou a energia para dentro do governo.
Já no governo, sempre, sempre, sempre atencioso, carinhoso, ligado nas pessoas.
Entrou ali em Brasília Teimosa, quando tudo era palafita, com todos os ministros. Meteu o pé na água, subiu e desceu de barraco. Endoidou a segurança, que ainda era a de FHC.
Outra vez, Siqueira, um metalúrgico do Recife, foi barrado no palanque. Ele avistou lá de cima, chamou Siqueira pelo nome, juntou com outros peões, tirou onda, contou piada… e o cerimonial de boca aberta.
Mesmo nos momentos mais difíceis, como em 2005, sabe quem mais animava a tropa? Quem procurava alternativa, caminhos?: mexeu com ele, mexeu comigo!
Programa a programa só tinha um sentido: fazer o que tinha que ser feito pra combater a pobreza. Dar visibilidade a quem nunca teve. Botar o povo nas planilhas. Abrir os palácios para a turma sem terno.
E a primeira mulher presidenta do Brasil recebeu a faixa desse peão nordestino. Quer mais simbologia?
É isso que dá tanta raiva a quem nunca precisou dividir poltrona de avião. Esperar na fila. Usar o mesmo perfume da manicure. Pagar direitos das domésticas. Perder cargo público porque não quer trabalhar para pobre. Disputar vaga de Universidade com Estudante de escola pública.
E, pasmem! Ele também erra.
Quanto mais ele acredita em lobos com pele de cordeiro, ele erra.
Para o nosso projeto dar certo tem que enfrentar o latifúndio, não pode acreditar nos barões da mídia, tem que mexer mais no bolso dos poderosos. Não pode dar mole para a Direita nos espaços de poder, nem jogar a crise no colo dos trabalhadores. Acabou esse convívio pacífico. Essa turma, quando vê farinha pouca, quer seu pirão primeiro. Destila o ódio de classe contra o povo.
E Lula é isso, minha gente! Esse ser humano que eu conheço faz tempo, de classe, de projeto, de trajetória, de história e de Brasil Mudado.
Sheila Oliveira é jornalista pernambucana, dirigente e militante do Partido dos Trabalhadores
Fonte, http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/jornalista-pernambucana-agora-eu-vou-falar-do-lula-que-eu-conheco-desde-antes-das-diretas.html
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