Uma carta aberta a Sérgio Moro
Dr. Rosinha, especial para o Viomundo
Confesso, estou triste. Diria até que estou deprimido. Tão triste e deprimido que talvez não consiga escrever exatamente o que estou pensando. De qualquer maneira, preciso tentar escrever.
Normalmente, não me considero uma pessoa triste, muito menos deprimida. E tampouco os que convivem comigo me consideram dessa forma. O que tem me deixado assim, em parte, são as suas ações, Doutor Sérgio Moro.
Sinceramente, esperava que o senhor fosse um homem que, através de seus atos, buscasse uma aplicação justa da lei, e não a mera perseguição, ou o fazer justiça com as próprias (mãos) leis.
Triste dizer isso, mas é este o meu sentimento. O sentimento de quem vive em busca da justiça, não de justiceiros. Geralmente, todo justiceiro causa mais danos sociais e humanos do que os que são levados às barras da justiça.
Meu sentimento é de que o senhor e, se não todos, pelo menos a maioria dos membros da operação lava jato (assim mesmo, em minúsculas) agem como assassinos de reputações, e estão a serviço de interesses de determinados setores da sociedade, mas especificamente da burguesia (palavra fora de moda) financeira e econômica, brasileira e mundial. Estão contra os brasileiros e as brasileiras, principalmente os mais pobres.
Estou triste e deprimido porque me sinto incapaz, no momento, de fazer algo concreto em defesa dos que sofrem injustiças. Incapacitado e desencantado com o ser humano. Está esvaindo-se em mim a esperança de um dia ver um mundo melhor. Tenha certeza de que o senhor está contribuindo com isso.
A espécie humana, Dr. Moro, sei que o senhor sabe disso, é a única que tem capacidade de destruir todas as demais espécies animais, inclusive a própria. E, na maioria das vezes, faz isso em nome do capital, do acúmulo de riquezas, do poder.
Digo isto porque o senhor está poderoso. O senhor e a turma que atua na lava jato. Tão poderosos que vários juízes, procuradores e policiais os imitam na truculência.
São muitos os homens, mulheres e crianças que vivem sem saber por que vivem, sem ter razão de viver. Sem saber o que esperam do amanhã. E aqueles que, como Lula, procuram construir a dignidade para essas pessoas, são perseguidos por quem sempre teve a mesa farta e a cama confortável. Sempre foram perseguidos por aqueles que viram as costas quando veem na rua um pedinte ou uma criança carente de pão, carinho e amor. Mas correm passar a mão na cabeça dos cachorrinhos das madames. Às vezes, até de cachorros vadios.
São perseguidos por aqueles que não têm vergonha de, mesmo com altos salários, decidir em causa própria, mesmo tendo sua própria casa, para receber auxílio-moradia. Auxílio, diga-se de passagem, de valor superior à renda de mais da metade dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.
Com tudo isso na minha frente e com tudo que há de perseguição patrocinada pela lava jato, quer o doutor que eu acredite na justiça? Quer que eu acredite que as ações da chamada ‘República de Curitiba’ são imparciais?
Todo e qualquer homem ou toda e qualquer mulher que pensa um pouco sabe que a maioria, senão todos que participam da operação lava jato, age política e ideologicamente a favor de uns, e contra outros. Como justificar que em quase todas as delações (premiadíssimas) aparece o nome do Aécio, e praticamente nada sobre ele é investigado?
Como explicar que o oficial de Justiça não consegue achar a casa de Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, para entregar uma intimação para ela ir depor? No entanto, a esposa de João Santana, Monica Moura, foi encontrada com tanta facilidade. Sim, o marido fez a campanha do PT.
Como um helicóptero é apreendido com 450 quilos de cocaína e o único detido é o piloto? E o dono, amigo de Aécio, sequer é investigado?
Como não consegue, agora sem mandato de deputado federal, prender Eduardo Cunha? E, no entanto, prende Guido Mantega, que, no hospital, acompanhava a cirurgia da esposa?
Com tudo isso e muito mais coisas, não dá para dizer que o Ministério Público (representado pelo fundamentalista religioso Deltan), a Polícia Federal, com o seu Japonês, e o Poder Judiciário, representando no momento pela figura do senhor, é imparcial.
Estou triste.
Na minha tristeza, penso nas crianças. Sou sincero, não nos filhos e filhas dos que atuam na operação lava jato. Estes receberão uma gorda herança. Talvez um dia, ao estudar a história do Brasil, sintam vergonha do que fizeram seus pais e mães.
Penso nas crianças que, nesta época de campanha, mesmo inocentes, são objeto de uso e abuso das promessas da maioria dos candidatos. Prometem creche e melhor educação. No entanto, patrocinaram, junto com o senhor, um golpe de Estado que lhes rouba o futuro.
Digo isto porque as propostas para a educaçao dos usurpadores do poder é de destruição de todo processo libertário de educação que vinha sendo construído até então. Também, pudera: o que esperar de um ministro que ouve e acata as propostas de Alexandre Frota para a educação.
Estou triste. Estou triste pelas crianças pobres e pelas injustiças que o poder Judiciário comete. Hoje, o maior inimigo da justiça é o judiciário. Pelo método de atuação da lava jato, como esperar justiça?
Estou triste.
Penso nas crianças que não terão a formação adequada para saber porque vivem. Para, pelo menos, ter o discernimento de que não serão objeto de manipulaçao dos Aécios, Deltans, Anselmos, pregadores religiosos e de justiça pelas “próprias (leis) mãos”.
Estou triste.
Dr. Moro, o senhor disse que lamenta ter tornado Marisa Letícia, esposa de Lula, ré. Mesmo sabendo o significado da palavra ‘lamento’, fui ao Dicionário Aurélio. Lá encontrei que lamento significa “lamentação, voz lamentosa, gemido”. Não satisfeito, fui ao Dicio (Dicionário Online de Português), segundo o qual a palavra significa “ação de lamentar. Expressão de pesar, de mágoa face do infortúnio. Portanto, queixa, gemido; lamentação”. Informa também que lamento é sinônimo de plangor, gemido, vagido.
Plangor, de acordo com o mesmo dicionário, é quando “há lágrima(s) e/ou lamentação; choro, lástima ou gemido”. Vagido é “choro de criança recém-nascida”.
Com esses conceitos, sinceramente não compreendi por que o senhor disse lamentar por uma ação praticada pelo senhor. A vítima da ação é que tem que lamentar pelo infortúnio.
Não ouvi, não vi e tampouco tive qualquer informação de que, após assinar esta ação, o senhor tenha embargado a voz, gemido, ter sido magoado ou sofrido algum infortúnio. Vagido o senhor teve há muitos anos atrás, quando veio à luz. E, como a maioria dos recém-nascidos, naquele momento, alegria do pai e da mãe e a certeza deles de que fariam de tudo para que recebesse uma boa educação e que fosse um homem justo.
Mas o senhor não tem sido justo. O senhor confunde justiça com justiçamento.
Dr. Moro, assim como o senhor, sou contra a corrupção. Creio que esta é a única coisa que nos une. No mais, faço algumas observações:
1) O combate à corrupção não se faz com ideologia político-partidária. O senhor sabe disso, mas não se comporta assim. Digo isto porque a operação lava jato, inclusive o senhor, age de maneira distinta no que diz respeito à caça aos corruptos. Se é petista, por antecipação, é corrupto. Se é do PSDB, por principio, é inocente. Exemplo: quando algum premiado delator diz que a corrupção começou na Petrobras no governo de FHC, o senhor, ou se quiser, a lava jato, ignora a informação. Quantos são os tucanos investigados?
2) Como consequência do ponto anterior, o que se busca não é justiça, mas fazer política partidária. Exemplo: as principais e espetaculares ações da operação lava jato, que o senhor comanda, são feitas em momentos que influem na conjuntura política ou eleitoral.
Lembra da capa da Veja que a operação gerou, as vésperas da eleição de 2014? Lembra das manifestações a favor do golpe de Estado, quando o senhor pedia para “ouvir as vozes das ruas”? Não preciso lembrar porque são fatos recentes: tornar Lula réu e prender Mantega, às vésperas das eleições municipais.
Talvez o senhor não goste do blogueiro Fernando Brito, mas vou recorrer a ele. No último dia 21, ele chamou a atenção para as manchetes dos maiores jornais brasileiros e as reproduziu. São simbólicas pela repetição das mesmas palavras:
O Globo: Lula vira réu pela 2ª vez e será julgado por Moro
Estadão: Lula vira réu na Lava Jato e será julgado por Moro
Folha: Acusado de corrupção, Lula será julgado por Sérgio Moro.
Será que a imprensa não quis dizer que o senhor não é um juiz, mas um justiceiro?
3) Não se faz justiça desrespeitando a lei. São muitos os exemplos. Poderia aqui expor um rosário, mas fico só com dois: a condução coercitiva de Lula e a divulgação da gravação envolvendo o ex-presidente e a então presidente, Dilma Rousseff. Por esta divulgação ilegal, o senhor levou um “puxão de orelha” do ministro Teori Zavascki, e acabou assumindo que errou. Desculpe, mais uma vez, pela sinceridade: o senhor não errou, fez a divulgação propositadamente.
Por fim, desculpe por esta longa carta. Não sei se o senhor teve conhecimento dela e se conseguiu lê-la até aqui. Se conseguir, peço um pouco mais de paciência. Só mais um comentário.
Tomei conhecimento, hoje, que o senhor mandou prender Guido Mantega. A mesma noticia informa que quem o delatou, sem provas, foi Eike Batista, mas que ele (Eike) não será preso. Claro, ele não é do PT.
Preciso fazer algumas perguntas para o senhor:
1) Mantega nunca se negou a prestar depoimento e é considerado um homem honesto, ao contrário de seu delator. Ele também tem endereço fixo. Por que Mantega precisa ser preso?
2) Gostaria que o senhor se colocasse no lugar de Mantega. Ele foi preso dentro do Hospital Albert Einstein, enquanto esperava a cirurgia da esposa, que está com câncer. O senhor acha justo que alguém que não é ameaça nenhuma à sociedade, tem endereço fixo e está nesta condição seja preso?
3) Esta ação não é própria de justiceiros?
4) Tem certeza o senhor de que esta ação não é desumana? Ou vai dizer que lamenta por ela?
Desculpe, doutor, pensei que ia terminar a carta, mas tomei conhecimento que um estuprador, no Recife, foi preso em flagrante e em seguida solto. Sei que o senhor não tem nada com isso, mas como o senhor quer que eu acredite na polícia, no Ministério Público, na justiça?
Estou triste.
Sinceramente, termino dizendo-lhe que esta manifestação é feita por alguém que um dia, no passado, chegou, sim, a admirá-lo.
Doutor Rosinha
22 de setembro de 2016
22 de setembro de 2016
PS1 – Acima escrevi que a espécie humana é a única que tem capacidade de destruir todas as demais espécies animais, inclusive a própria. Pense nisso, doutor: quantas esperanças e quantos empregos o senhor já destruiu? Quantas crianças estão, como resultado dessas ações, com o futuro comprometido?
PS2 – Assim que termino a carta, tomei conhecimento de que um porta-voz da Polícia Federal lamentou a prisão de Guido Mantega e que o senhor a revogou.
PS3 - Como vê, apesar da tristeza e da depressão consegui escrever alguma coisa. Espero que lhe sirva de reflexão e tenha a certeza: não fiz para agredi-lo e tampouco para dar lições.
Dr. Rosinha, médico pediatra e servidor público, ex-deputado federal (PT-PR).
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